sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

V Trilhos dos Abutres (27k) - Frio, lama, chuva, lama, granizo, lama, vento, lama, paisagens incríveis, trilhos fantásticos, mais umas amizades no trilho e mais uma chegada ao fim!

Pois, o título ficou muito comprido, eu sei...
A culpa foi da lama, retiro da minha pessoa qualquer responsabilidade. E assim também se vão preparando para o meu maior post de sempre.


Se estás já cansado de ouvir falar ou ler sobre os Abutres de certeza que é porque não participaste na prova, sugiro que não continues a ler o que se segue.
Eu sei que já passou quase uma semana do acontecimento, mas só ontem tive acesso à amostra de uma foto numa zona mítica do percurso e fazia questão de ilustrar este post com ela.
Além disso, o meu sistema imunitário, afinal, não é assim tão poderoso e, esta semana, tive direito a relembrar o que é estar com 38,5º C de temperatura e a definhar no sofá, depois de mais uma noite de serviço daquelas...


Mas bem, bora lá contar-vos como foi a minha experiência "abútrica".
Estão preparados?!?


Na noite anterior, para não falhar à tradição, não consegui dormir nadinha de jeito. O A. uma vez mais, vomitou a meio da noite (as desculpas que ele arranja sempre para falhar às provas de trail running :P), depois, também eu fui tratar de ir mais leve para a prova (o meu sistema nervoso é um querido!).
Lá fora, continuava a chover a potes.

De manhãzinha, toca a despachar para ir ter com os outros 2 resistentes da nossa equipa. De 12 inscritos, apenas sobraram 3 malucos que insistiram viver o V Trilhos dos Abutres: um homem e duas mulheres.
Esqueci-me que era dia de feira e fui pelo percurso mais chato para ir ter com eles. Ir por lá, fez-me ver que o rio já tinha ultrapassado, e bem, as margens. Os campos estavam completamente alagados, como ainda não tinha acontecido este ano. E no meu pensamento "Ok... Mas não é isto que me vai fazer desistir!"

Siga caminho e sem grande chuva, mas sempre com nuvens negras a pairar em cima das montanhas que iríamos trepar. Soubemos que a prova da ultra tinha sido adiada umas horas, a organização tinha ponderado cancelar/adiar o evento, mas optaram por alterar alguns percursos e esperar que as águas da chuva intensa da noite, escorressem montes abaixo e aliviassem os trilhos...

Em Miranda do Corvo estava bem fresquinho e ora fazia sol, ora desatava a chover como nunca...
Às 10h começou a Ultra (50k). Lá foram eles todos contentes. Começaram com sol.
A nossa prova ficaria para as 10h30. Stresszinho a aumentar com a aproximação da hora. Só pedíamos que não chovesse no arranque, para podermos aquecer um bocadinho. Com o atraso, tínhamos também receio de já chegar ao fim da tarde, com pouca luz natural, o que, sem frontal (aquelas luzinhas que se põem na testa p.e.) seria bem mais complicado...


10h40 arrancámos. Eu e a A.L. mantivemo-nos juntas, apesar de eu achar que ela corre mais que eu. Sabíamos que os trilhos iam ser muito duros (até perigosos) e era importante ter alguém conhecido por perto em caso de necessidade.
Nem 1km fizemos e começou a chover. Os trilhos estavam cheios de lama, mole onde enterrávamos as sapatilhas, que pareciam querer sair dos pés, ou então, de pequenos riachos castanhos que não nos deixavam ver o que estava por baixo, fossem pedras escorregadias, paus ou mais lama...

O pessoal que ia por perto estava super animado e nós também. Dizíamos piadas, ríamo-nos dos que escorregavam na lama (e dávamos uma mãozinha se fosse preciso, claro!), sorríamos para as câmarazitas de filmar dos outros participantes. Um deles andava, 
de cada vez que passávamos por uma zona mais escorregadia, tentava, a todo o custo, apanhar quedas aparatosas no vídeo...  :P

Primeiro desafio:

Saltar um riacho de água por baixo de um viaduto, com mais ou menos 1m de largura. Safei-me bem. E afinal este nem era bem um desafio, como percebi pelo que se seguiu... Mas deu logo para ficar molhada até aos joelhos...
Bem pior que eu, pessoal que vi nas fotos a atirarem-se completamente à água, só para passaram mais depressa... Diria, pouco inteligentes...


Tipo isto:
(dafuq?!)

Continuámos o nosso caminho e, durante um bocadinho, deu para correr, esticar as pernas e aquecer (dentro do possível...).
Começamos a andar a par do rio e de pequenas quedas de água. Decidi calçar as minhas luvinhas novas (tê-las levado foi o que me safou, mais à frente... sem dúvida, foram a minha melhor aquisição de equipamento de trail até hoje) sempre que fosse preciso agarrar-me a alguma coisa ou trepar.
Apanhámos a primeira descida cheia de lama e sem vegetação a onde nos pudessemos agarrar. A A.L. ía à minha frente com medo de escorregar. Até que eu experimentei baixar-me, juntar os pés e escorregar por ali abaixo com a ajuda das mãos. Tipo "sku", mas sem pousar o rabo no chão, estão a ver? Resultou. E a partir daí não quis outra coisa. ;)


Sempre que possível tentávamos correr, mas era difícil, pela lama, a inclinação e a quantidade de gente que, nesta fase, ainda ia à nossa frente. Entretanto, pude adorar a paisagem, ver a água a correr furiosamente riachos abaixo, mesmo ao nosso lado.

Desafios seguintes:

Descemos por um "mini-precipício", agarrados a uma corda (benditas luvas!) que acabava antes do final da descida... E, mais uma vez, tive de recorrer à "minha" técnica maravilha de sku. Teria sido exemplar, não tivesse eu afastado a perna esquerda a escorregar, o que fez com que eu ficasse com um tronco entre as pernas... Valeu por mais um momento de risada graças à posição parva em que fiquei. :P
Trepámos uma parede de lama imensa em que tínhamos que encontrar socalcos mais ou menos firmes para subir. A A.L. começou a ficar para trás e a queixar-se de dores nas costas...
Começámos a subir a montanha e o granizo a atacar-nos com força. Só imaginávamos apanhar neve lá em cima...
Pior que a parede de lama, tivemos que trepar um muro de pedras, mais alto que eu, que se tinha transformado numa pequena queda de água...

Passamos por várias pontes rústicas de madeira. Uma delas mesmo em frente a uma cascata que, nesse dia, graças à chuva, estava gigante. A força da água era tanta que sentíamos as gotas do vapor de água na cara. Um cenário simplesmente magnífico! Lindo, lindo!
Lembro-me de pensar "isto sim, são os Abutres..."
(Tenho pena que a amostra não faça jus ao que vimos...)



(ali vou eu! ;)

A subida da montanha foi-se fazendo nas calmas. Subíamos agarrados a cordas, correntes, de gatas, como calhava! Apesar do frio e da chuva que nos ia dando algumas tréguas, sentia-me bem. Não estava ainda muito cansada e fui incentivando a A.L. a continuar e a ir bebendo água aos poucos. Tínhamos que chegar, pelo menos, ao Posto de Abastecimento dos 17km que sabíamos ser já a descer. Ela que é uma força da natureza, estava de rastos, com dores "nos rins" e as mãos a inchar... :S

Cheguei ao ponto mais alto e percebi que a A.L. estava um pouco mais para trás. Lá em cima estava um vento gélido. As minhas luvas, mesmo meio molhadas e cheias de lama, conseguiam manter as minhas mãos quentes, graças à capinha para as pontas dos dedos. Para não arrefecer, decidi continuar ao meu ritmo e esperar por ela no abastecimento.

Na descida, surgiu mais um desafio:
O trilho tinha-se transformado em linha de água. A água corria sem parar por ali abaixo e eram raros os sítios onde nos conseguíamos desviar um pouco do seu trajeto.
Siga água abaixo e não reclama! :P
De facto, era mais fácil descer por onde havia água, porque o solo era mais firme que nas margens cheias de lama. Sempre com cuidado, para não dar um malho em sítios com pedras e a usar a "minha" técnica nas descidas lamacentas.

Até que, já a ver um estradão e dois marmanjos da organização ali parados a ver-nos passar, enquanto grelhavam umas febras (nem senti fome com o cheiro, só me apeteceu aquecer aos mãos nas brasas...), existia um lago lamacento enorme...
Vai a D. cheia de confiança, à frente de uns poucos de gajos (ainda por cima! Burra de não os ter deixado passar primeiro para ver o melhor caminho...), segue em direção ao lago e, já dentro dele, com água pelos joelhos, sente o pé esquerdo a escorregar (outra vez o esquerdo!)...
Conclusão: água gelada até à cintura! ;)  Só não mergulhei, porque fiquei segura num tronco que estava debaixo de água (ufa!).
Mando uns berros. Os meus companheiros de luta ajudam-me a sair da água e perguntam-me se estou bem, se me magoei. "Não, estou bem. É a água!...". Eles "tá fria?!". Eu "Nãaaaaoo, tá booooaaaa!" :P

Toca a correr dali para fora, para tentar aquecer. O abastecimento dos 17km estava a uns metros... Gondramaz, uma pequena aldeia no meio do nada, mesmo muito gira. Hei-de lá voltar.
Parei. Neste abastecimento, como nos outros todos. Coisa que não costumo sentir necessidade nas provas, mas nos Abutres era crucial. Além disso, queria ver como estava a A.L.
Esperei um pouco, comi uns deliciosos bocados de laranja, banana e uns quadradinhos de marmelada. A minha colega de equipa tardava em aparecer e eu estava a ficar gelada...


Decidi continuar. Não sem antes pedir a umas pessoas que estavam ali a assistir para a avisarem que eu tive de continuar para não arrefecer mais.
Logo a seguir, vi o J.P. (que bom ver uma cara conhecida!), marido da A.L. Estava a ver se nós passávamos. Pedi-lhe que voltasse para trás e fosse ao encontro dela. A minha colega optou por desistir neste ponto da prova.

E eu segui sozinha. Faltavam 10km, não haviam de custar mais que os que já tinha feito...
(E vocês, se aguentaram até agora, deixem-se estar. Afinal só faltam 10km de descrição. O pior já passou... ;)

Ouvi dois corredores que iam perto de mim a queixarem-se do frio nas mãos. Comecei a mandar bocas na brincadeira "eu vou aqui com as minhas mãos quentinhas!" "estas luvas são um espetáculo! A melhor compra de sempre...". Eles entraram na brincadeira e começaram a conversar comigo. Soube de onde eram. Afinal eles conheciam provas onde eu já tinha participado e outras que foram realizadas na minha terra. E eu conhecia uma prova organizada pela equipa de um deles ;)

Seguimos por trilhos e levadas, fizemos uma pequena parte de um percurso pedestre, passámos o rio de um lado para o outro, em cima das pontezinhas de troncos, mais umas poucas vezes. Nesta zona, passaram por nós os dois primeiros classificados da Ultra, em altas velocidades, como se nada fosse (como se não levassem, pelo menos, mais 25km que nós nas pernas...).
Na altura, nem cheguei a saber o nome dos meus novos companheiros de luta... Mas, até ao último abastecimento a 5km do final, continuámos juntos, na galhofa, como se nos conhecessemos há mais tempo... Como não podia falhar, veio à baila o tema TopMáquina e respetivas Teorias-Top-do-Trail, o facto de eu ser enfermeira e, alegadamente, ter andado a meter-prá-veia e outros assuntos nessa linha... ;D ;D
Uma risada, que nos manteve bem dispostos e distraídos por um bom bocado, esquecendo um pouco as dificuldades vividas e o que ainda estava para vir até à meta...


No último abastecimento antes do fim. A A.L. e o J.P. estavam à minha espera. Incentivaram-me a continuar. A não perder muito tempo porque era uma das 10 ou 12 primeiras.
Nem sei o que me deu, até ali não tinha pensado na classificação, nunca foi o meu objetivo primário. Mas, na altura, meti na cabeça que tinha de me manter nas 10 primeiras classificadas. Afinal, não me lembrava de ser passada por nenhuma mulher pelo meio da prova, eu é que fui passando... "São só mais 5km? Ok, vamos lá!"

E, para terminar, segui outra vez sozinha.
Eram só 5km, de facto, mas não eram 5km de corrida. Destes, 3 ou mais eram de lama, pura. Mole e falsa como a que tínhamos apanhado no início... Fui andando, como pude. Ainda tive oportunidade de fazer uma pose parola para um fotógrafo que estava a seguir a um lago de lama à espera de apanhar um qualquer descuidado que lá se enfiasse... :P

Custou-me muuuiiito esta parte. Só me imaginava a perder ali o chip ou uma sapatilha e ficar ali que tempos, sozinha, à procura... Demorei imenso tempo aqui e fui passada por uma data de gente.


Acabou, finalmente, a lama e começou a corrida em plano, estrada, até chegar quase à meta. Seria um bom sprint final, não tivesse eu meio quilo de areia nas sapatilhas e mais de 20km impossíveis nas pernas. Mesmo assim, nesta fase, passei uns 3 corredores (homens, à pois é!... ;)



(a areia por baixo da sola das minhas sapatilhas. Litros e litros de água limpa depois, que os meus pais lhe passaram, para tentar tirar a lama...)

E, só para acabar em beleza, uma rampa até ao pavilhão da meta, super inclinada, escorregadia e cheia de lama... Foi o único sítio do percurso onde fui incapaz de me rir para a foto. Ainda por cima, logo aqui, fui ultrapassada por uma mulher... :S

Chego ao cimo dessa rampinha. Expiro com força, espero 2 ou 3 segundos e arranco a correr para os últimos 200m até à meta.

E já está! Aquela sensação incrível de dever cumprido! Objetivos superados!
Consegui chegar ao fim... ;)  Braços no ar, um sorriso na cara.


Comer qualquer coisa, debater-me para tirar o chip dos atacadores da sapatilha e dar um abraço os meus companheiros de luta e novos amigos do mundo trail ;)

V Trilhos dos Abutres (27K): 12.º lugar Fem., 9.º lugar Sen F (o meu escalão), 4h49. Feito. ;)
Para mim, a prova de trail running mais dura mas mais bonita de sempre!












Podem ler aqui um excelente relato de quem viveu a experiência do Ultra Abutres.

Se ainda tiverem coragem, para melhor perceberem aquilo porque passámos, deixo-vos o link de um vídeo (onde eu apareço! uhu :P).
Alerto apenas para a edição "meio-esquizo" do vídeo. Os mais sensíveis podem ficar enjoados ou a convulsivar ao fim de uns minutos... Eheheh


Fotos minhas durante a prova?
Simplesmente impossível. Para além de não ter levado nenhum aparelho à prova de água e lama, precisei das minhas duas mãos livres em todo o percurso e muito admiro quem conseguiu fazer vídeos como este...


Deixem-se de tretas, o vídeo tem 20 min e meio, ok. Eu estive lá quase 5 horas... Custa-vos assim tanto?!
Ok, façam como entenderem... :P



Pronto, já acabei.

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