Há séculos que ando para escrever isto. A ver se é desta que sai
Quando contei às pessoas sobre o nosso parto, com bastante frequência ouvi "que corajosa", "só tu, eu não era capaz"...
Ficava sempre a pensar que coragem não era de todo o termo certo.
Admito que depois dum parto assim me senti muito forte e realizada, mas não uma pessoa mais corajosa.
Coragem para mim, era (é!) , no meio desta pandemia e medidas horríveis tomadas nos serviços de saúde, ter de parir no hospital. Sem acompanhante, com medo de testar positivo para covid e ser forçado o afastamento do bebé, não lhe ser permitido o primeiro contacto pele a pele e oferecido o meu leite.
Para mim, este afastamento era, sem dúvida, o que maior angústia me causava. Não apenas por mim, pela solidão do pós-parto que sabia que me ia custar imenso, mas, principalmente, pelo bebé! Que direito temos nós de privar os bebés da presença e contacto direto com a mãe à nascença? Porquê desperdiçar o melhor alimento de todos? Que implicações teria (teve e terá para tantos bebés) esse afastamento, na amamentação, na ligação mãe/família - bebé, no desenvolvimento do seu sistema imunitário e psicológico?
Fico triste só de imaginar isto... E revoltada de pensar que poderei ter de compactuar com isto (quanto mais não seja por omissão) no meu regresso ao trabalho :'(
Mas não era sobre estas medidas estúpidas e sem qualquer fundamento científico que queria escrever. Serve apenas para explicar que foram também um dos motivos para a minha escolha.
Parir em casa. De forma fisiológica. Sem pressas, sem protocolos, sem intervenções desnecessárias e com efeitos eventualmente danosos. Oferecer o melhor nascimento possível para a minha filha. A melhor transição para a vida cá fora.
O melhor parto para mim e para o meu bebé. Depois percebi, também, o melhor pós-parto que poderíamos ter tido.
Então, como me preparei?
Procurei, em primeiro lugar o apoio da pessoa mais envolvida e importante para nós, o A. óbvio. Inicialmente, pedi-lhe que tentassemos um parto diferente do parto do Simão (expliquei-lhe o quanto foi difícil para mim aceitar o que aconteceu) e que, para isso, fosse comigo a uma consulta com a nossa parteira. Aos poucos, pedi que ponderasse a possibilidade de termos a nossa bebé em casa. Decisão que também eu fui tomando com o passar do tempo...
Escolhi para estar connosco as pessoas que me transmitiam melhor apoio e segurança, durante a gravidez, parto e pós-parto. Digo sempre que foi o melhor investimento que fiz na minha vida. Sem dúvida que não está ao alcance de todos (infelizmente!) mas é, sem qualquer dúvida, muito compensador. Senti bem a diferença de ser acompanhada por uma parteira. Para mim, ter a presença e acompanhamento da parteira que eu escolhi, no meu parto, era uma das maiores fontes de segurança.
Optei por revelar os meus planos apenas a quem eu sabia que me iria passar tranquilidade e apoio. Tinha perfeita noção dos riscos, das eventuais complicações. Não precisava de absolutamente mais ninguém que mas lembrasse e me fizesse duvidar da minha escolha. Não disse que iria tentar o parto em casa à obstetra que (eu escolhi e) me seguia no hospital, nem ao médico de família. Decidi ainda não contar aos nossos pais para não lhes causar ansiedade e essa ansiedade voltar em espelho para mim.
Afastei-me o máximo de tudo e todos os que me pudessem fazer-me sentir mais preocupada, ansiosa, angustiada, incapaz. Até da televisão com as suas notícias nada animadoras ou partilhas em redes sociais com as quais não concordava, me afastei.
Li bastante, procurei informação sobre parto fisiológico um pouco por todo o lado por essa Internet fora. O que, felizmente, aumentou exponencialmente com a pandemia. Não faltaram/faltam lives, reuniões online, partilhas de experiências...
Na verdade, a minha preparação em termos de recolha de informação começou bem antes de engravidar da I. Começou com todas as formações que fui fazendo desde que o S. nasceu. Spinning Babies, Parto Ativo, Respiração com Núria Vives, Parto Fisiológico e Preparação para o Parto na Água com a minha parteira Isabel Ferreira...
Apoiei-me também nas boas experiências que o meu trabalho me trouxe sobretudo nos últimos meses. Sem dúvida sonhei com um parto em 4 apoios, sem tempo para nada, como o que assisti aos pés da cama 17 às 5 e qualquer coisa da manhã.
Dei apoio online a outras grávidas. Ajudava-me imenso, continuar a dar de mim como profissional a outras mulheres e famílias a passar pelo mesmo que eu.
Mais perto do parto, escrevi o meu plano de parto e tentei ainda preparar o cenário com a pintura de uns mantras para pendurar e uma lista de músicas com significado para mim (que não tive tempo de usar! :P)
E fisicamente?
Mantive-me o mais ativa possível. Sempre.
Corri até me sentir bem, trabalhei até ao estalar da pandemia (o nosso hospital acabaria por mandar, e muito bem, todas as grávidas para casa ou teletrabalho, se possível uns diazitos depois) , fiz caminhadas, yoga para grávidas, pilates, fizemos amor, obriguei-me a comer melhor e a beber pelo menos 1,5L de água por dia, fiz massagem perineal e alguns exercícios de Kegel para fortalecer o períneo, peguei no Simão ao colo até ao fim sempre que preciso, sem medo. Decidi que íamos até à última, continuar a nossa vida. Jantar com os nossos amigos já com contrações e fazer a sessão fotográfica que tínhamos marcado apesar de poder entrar em TP a qualquer momento, tal como aconteceu.
Estive atenta aos sinais do meu corpo, abrandei quando necessário, mas também soube desvalorizar as contrações de Braxton-Hicks que muito stress me causaram na primeira gravidez.
Mentalizei que iria demorar, que ia doer, mas que a dor não era uma coisa má, mas algo necessário para o meu corpo perceber o que era preciso fazer, que posição, respiração ou outras medidas adotar em cada momento.
E aos poucos, como escrevi atrás, com o passar do tempo e a recolha de informação de todos os lados, o aumento da confiança em nós, comecei a acreditar que era possível. Que nós as duas íamos conseguir.
Não foi uma decisão tomada de ânimo leve. Percebi que quem prepara um parto em casa, tem de estar mesmo muito preparada. Tem de preparar a mala na mesma e tem de preparar a mente para a eventualidade do plano A não resultar e aceitar o plano B, C ou D...
Acima de tudo, acreditei. Em mim, em nós. Íamos conseguir parir/nascer da melhor forma possível.
Preparei-me para tudo, menos para um parto tão rápido e positivo :D
(e ao fim de uma manhã, lá consegui acabar este testamento :P)
Sem comentários:
Enviar um comentário